O estudo de demanda elétrica é o documento técnico que traduz a realidade de carga de um empreendimento em parâmetros de projeto: potências, correntes, fatores de simultaneidade, perfil de consumo e requisitos de disponibilidade. Seu objetivo é fornecer base segura para dimensionamento de quadros, condutores, transformadores, proteções e sistemas de emergência, minimizando riscos de sobrecarga, quedas de tensão excessivas, falhas no atendimento a carga crítica e não conformidades com normas como a NBR 5410 e procedimentos do CREA. Um estudo de demanda bem feito reduz custos de investimento e operação, assegura a aprovação em órgãos fiscalizadores, previne incêndios elétricos e evita sanções administrativas.
Antes de detalhar métodos e cálculos, é importante contextualizar: o estudo de demanda elétrica não é apenas soma de potências. Exige levantamento documental e in loco, análise de carga motora, identificação de cargas não-lineares, definição de cargas críticas e planos de expansão. Abaixo, cada seção aprofunda um aspecto relevante, com normas, práticas e exemplos aplicáveis a projetos prediais, industriais e comerciais.
Este segmento fundamenta o porquê do estudo e estabelece requisitos mínimos para cumprir normas técnicas e expectativas de stakeholders (síndicos, gestores de obra, empresários e responsáveis por manutenção).
O estudo de demanda elétrica avalia a potência instalada, a potência previsível em operação normal e a demanda máxima provável, traduzida em correntes e regimes de operação. O escopo típico inclui: levantamento de cargas, curvas de demanda, fatores de simultaneidade, dimensionamento preliminar de transformadores e geradores, cálculo das correntes de curto-circuito e recomendações de proteção e aterramento.
Benefícios diretos: (1) dimensionamento econômico evitando sobredimensionamento; (2) garantia de disponibilidade para cargas críticas (TI, elevadores, bombas de incêndio); (3) conformidade com NBR 5410 e exigências do CREA para emissão de ART; (4) redução de risco de incêndio e falhas por sobreaquecimento; (5) subsídio para contratos de fornecimento de energia e negociações tarifárias.
Projeto e execução devem observar a NBR 5410 (instalações elétricas de baixa tensão) quanto a proteção, aterramento, queda de tensão e seletividade; a NBR 5419 quando há interface com SPDA; e regulamentos locais do Corpo de Bombeiros para sistemas de emergência. A ART é obrigatória para a responsabilidade técnica do estudo, registrada junto ao CREA, garantindo rastreabilidade e responsabilidade jurídica.
Com o escopo e normas estabelecidos, o primeiro passo operacional é o levantamento completo das cargas. A seguir, descrevemos procedimentos para coleta e categorização de cargas, instrumentação e verificação documental.


Levantamento preciso é a base do estudo. Erros na lista de cargas ou na caracterização (motora, resistiva, não-linear) geram resultados inválidos, com impacto em segurança e custo.
Fontes: projeto arquitetônico e de layouts, memórias de cálculo anteriores, listas de equipamentos, folhas de dados (nameplate), medições de consumo (barramento, medidores de energia) e entrevistas com operação. Em instalações existentes, usar analisadores de rede para registrar curvas de demanda, harmônicos e perfil horário por pelo menos 7 dias úteis para capturar variações.
Usar analisador de qualidade de energia com registro de curvas (mín. 1 Hz) para: potência ativa, reativa, fator de potência, THD (harmônicos), oscilações e harmônicos até o 50º; registrador de demanda para cargas variáveis; pinça amperimétrica para medições pontuais. Para motores, capturar corrente de partida e tempo de aceleração.
Com a base de dados consolidada, procede-se à modelagem da demanda: aplicar fatores de simultaneidade, demanda e diversidade para converter potência instalada em potência provável de projeto.
A modelagem combina potências nomeadas com fatores empíricos e normas para estimar a demanda máxima de projeto. Aqui se apresentam critérios técnicos e exemplos numéricos para aplicação imediata.
Potência instalada é a soma das potências nominais. O fator de demanda (Fd) relaciona a carga média ou máxima esperada com a potência instalada. O fator de simultaneidade (Fs) reduz a estimativa pelo comportamento conjunto de cargas semelhantes. Ambos são cruciais para evitar superdimensionamento.
Corrente de projeto por fase (sistema trifásico): I = (P × 1000) / (√3 × V × cosφ × η), onde P em kW, V tensão de linha, cosφ fator de potência e η eficiência se aplicável. Aplicar primeiro os fatores: P_demandada = Σ(P_instalada × Fd × Fs) por grupo de cargas. Exemplos de Fd/Fs: iluminação comercial (Fd 0,4–0,6; Fs 1,0), tomadas gerais (Fd 0,5–0,8; Fs 0,9), motores (avaliar por ciclo e número de partidas simultâneas).
Suponha edifício com iluminação 50 kW (Fd 0,6) e tomadas 100 kW (Fd 0,6; Fs 0,9). Demanda iluminação = 50×0,6 = 30 kW. Demanda tomadas = 100×0,6×0,9 = 54 kW. Se cargas motoras somam 80 kW com Fd 0,9 e Fs 0,7 => 80×0,9×0,7 = 50,4 kW. Potência total demandada ≈ 30+54+50,4 = 134,4 kW. Aplicar fatores de correção (temperatura, harmônicos) e converter para correntes para dimensionamento.
Incluir projeção de crescimento (10–25% em 5 anos típico) e sazonalidade para empreendimentos com variação por estação. Especificar margem para expansão de carga e espaços vagos (prédios comerciais com lotes para locatários).
Com demanda estimada, o passo seguinte é converter potências em correntes e selecionar condutores e dispositivos de proteção adequados, considerando queda de tensão, temperatura ambiente e condição de agrupamento.
O dimensionamento deve equilibrar três critérios principais: capacidade de corrente admissível, queda de tensão limitada e capacidade de corrente de curto-circuito. Todas as verificações devem atender a NBR 5410.
Corrente de projeto (Iproj) obtida a partir da potência demandada. Escolher seção que satisfaça Iz ≥ Iproj × k, onde Iz é a corrente admissível do condutor para as condições reais (temperatura ambiente, tipo de isolação, número de condutores agrupados). Aplicar fatores de correção k1 (temperatura), k2 (agrupamento), k3 (condutor em conduto), conforme tabelas da NBR 5410 ou normas complementares.
Limites recomendados: para circuitos de utilização em baixa tensão, norma costuma indicar queda máxima de 4% entre o ponto de alimentação e o ponto de utilização (ou 3% para iluminação sensível — verificar requisitos do cliente). Cálculo: ΔV% = (I × R × L × 100) / (V × 1000) em sistemas trifásicos considerar resistência e reatância do condutor. Escolher seção que mantenha ΔV abaixo do limite em carga máxima.
Dimensionar dispositivos de proteção (disjuntores, fusíveis) com curvas de operação apropriadas. Critérios: proteção contra sobrecarga (tempo-operação térmico) e curto-circuito (disparo instantâneo magnético). Realizar coordenação (seletividade) entre proteções avaliada por curvas I–t ou curvas I²t, buscando minimizar indisponibilidade de circuitos não afetados. Em circuitos motoras, considerar curva de pick-up superior à corrente de partida, ou uso de relés específicos para partida.
Cargas com distorção harmônica aumentam aquecimento em condutores e transformadores; aplicar fatores de correção térmica e, quando THD > 8–10%, considerar aumento de seção ou filtre ativo/passivo. Verificar sobrecorrente térmica em condutores e blindagem de neutro (neutro pode conduzir correntes harmônicas de sequência zero).
Após definir condutores e proteções, é necessário dimensionar os centros de transformação, geradores de energia e sistemas de emergência que suportem a demanda projetada, mantendo criticidade prevista.
Escolha e dimensionamento desses equipamentos impactam custo e continuidade. O estudo deve contemplar inrush, capacidade de curto-circuito, fatores de potência e planos de redundância.
Calcular potência aparente S (kVA) a partir de P_demandada / cosφ previsto. Aplicar margem para harmônicos e picos de partida. Selecionar grau de curto-circuito, relação de transformação para limitar correntes de falta e garantir seletividade com proteção a montante. Avaliar temperatura ambiente e requisitos de ventilação/ônibus; prever conveniente reserva (10–25%) para expansões e harmonização com regras do fornecedor de energia.
Gerador dimensionado por pico de partida das cargas críticas e potência contínua prevista; considerar capacidade de partida motoras conectadas ao quadro de emergência. Decidir entre operação em standby (gerador alimenta cargas críticas em paralelismo com rede com chaveamento) ou islanding. Inrush e duty cycle devem ser contemplados para evitar subdimensionamento. Para cargas sensíveis, combinar UPS com gerador de suporte para garantir qualidade de energia durante transições.
Garantir que proteção do transformador permita correntes de inrush sem disparo indevido (uso de temporizações e curvas adequadas) e que o gerador suporte as correntes de partida sem queda excessiva de tensão. Avaliar estudos de estabilidade de tensão durante partidas simultâneas e utilização de soft-starters ou partidas sequenciais para reduzir impacto.
Além de fornecedores de energia e equipamentos principais, risco de surtos atmosféricos e a interface de aterramento/ proteção contra descargas atmosféricas são críticos para continuidade e segurança. O próximo segmento aborda SPDA, proteção contra surtos e aterramento.
A proteção contra surtos e um sistema de aterramento adequado não são extras: são elementos de mitigação de riscos de danos a equipamentos, incêndio e risco de vida. Devem obedecer à NBR 5419 e às orientações da NBR 5410 sobre equipotencialização.
Objetivos do aterramento: referência de potencial, caminho seguro para correntes de falta, e redução de diferenças de potencial que possam afetar pessoas e equipamentos. Projetar malha de terra com resistividade adequada; considerar medição de resistência de aterramento (método de fall-of-potential) e requisitos de resistência alvo conforme tipo de instalação (bombas de incêndio, subestações, variações por norma local).
Implementar SPDA conforme NBR 5419; coordenar descidas com malha de terra para evitar laços de corrente que danifiquem painéis. Equipamentos de proteção contra surtos (DPS) classificados em Classe I, II e III devem ser aplicados de acordo com risco de descarga direta/indireta e nível de exposição. Dimensionar DPS com corrente nominal de descarga adequada e coordenação entre classes para amortecer surtos sem gerar correntes prejudiciais ao sistema.
Para centros de dados e equipamentos médicos, utilizar DPS em níveis de entrada (entrada de serviço), quadros principais e quadros finais; combinar com filtros de linha e UPS. Validar seletividade dos DPS para evitar disparo em cascata.
Outro elemento crítico é a análise de curto-circuito e a coordenação detalhada de proteções. Um estudo de demanda sem verificação de curto-circuito deixa lacunas importantes de segurança e confiabilidade.
Estudo de curto-circuito determina as correntes máximas que os equipamentos e condutores devem suportar. A coordenação permite que apenas a proteção mais próxima atue, preservando o restante da instalação.
Calcular correntes de curta-circuito simétricas e assimétricas na origem e em pontos críticos, usando impedâncias do transformador, condutores e elementos. Determinar Ik (corrente de curto-circuito em kA) em cada ponto para especificar capacidade de interrupção de disjuntores e fusíveis. Ferramentas modernas (ETAP, CYME, SKM) automatizam cálculos, mas o engenheiro deve validar parâmetros de entrada.
Definir curvas de disparo dos dispositivos de proteção e analisar seletividade instantânea e por tempo. Em sistemas complexos, adotar técnicas como temporização permissiva e coordenação via relés numéricos com comunicação. Avaliar as correntes térmicas (I²t) para assegurar que dispositivos a montante suportem energia de falta até a atuação de dispositivo a jusante, quando não há seletividade total.
Relatar pontos de falta máximos, capacidade de ruptura necessária, ajustes propostos de disparo e, quando necessário, reconfigurações de proteção ou alterações físicas (ex.: seccionadores, curvas de fusíveis) para alcançar seletividade desejada.
Além do projeto e estudos, qualquer implantação exige documentação rigorosa, registros legais e integridade técnica documental para aprovação e manutenção. A seguir, detalhamos os entregáveis e requisitos legais.
Relatórios e desenhos claros são instrumentos de prova técnica para fiscalização, operação e manutenção. A conformidade documental facilita inspeções e reduz riscos de disputas.
A emissão de ART pelo responsável legal é obrigatória e deve constar do documento. O registro junto ao CREA formaliza a responsabilidade. Incluir também registros para o Corpo de Bombeiros quando as instalações envolvem sistemas de emergência, e relatórios de conformidade para concessionária quando necessário.
Após a aprovação do projeto e emissão de documentação, a etapa de execução exige procedimentos de comissionamento e ensaios para validar a conformidade com o estudo. A seguir listamos ensaios e rotinas essenciais.
Procedimentos de comissionamento garantem que a instalação construída corresponde ao projeto e que os equipamentos respondem adequadamente em operação real.
Implementar plano de manutenção preventiva: inspeção termográfica anual, ensaio de resistência de terra semestral/ anual conforme condição, testes de funcionamento de geradores e UPS periódicos (corrida em carga parcial), verificação de aperto em conexões elétricas e atualização de documentação após alterações.
Para encerrar, apresento um resumo técnico conciso e passos práticos para contratação de serviços de engenharia, garantindo conformidade e entrega de valor.
Resumo técnico: o estudo de demanda elétrica converte potência instalada em demanda real por meio de levantamento de cargas, aplicação de fatores de demanda e simultaneidade, medições e modelagem de corrente. Seus entregáveis incluem memórias de cálculo, unifilares, estudos de curto-circuito, esquemas de aterramento e propostas de proteção, todas amparadas por NBR 5410, NBR 5419 (quando aplicável) e registro de responsabilidade ( ART) no CREA. Benefícios tangíveis: redução de CAPEX/OPEX, mitigação de riscos de incêndio, garantia de atendimento a cargas críticas, conformidade com órgãos fiscalizadores e maior previsibilidade de manutenção.
Seguir esses passos assegura que o estudo de demanda elétrica seja transformado em um projeto executável e conforme, com rastreabilidade técnica e benefícios mensuráveis para operação e segurança do empreendimento.