A doença do carrapato é uma das enfermidades mais graves que acometem cães no Brasil, causada pela transmissão de agentes infecciosos através da picada de carrapatos, especialmente os vetores Rhipicephalus sanguineus e Amblyomma sculptum. Essa condição complexa engloba uma série de enfermidades hemoparasitárias, tais como erliquiose canina, babesiose e anaplasmose, além da febre maculosa brasileira em um contexto zoonótico. Entender essas doenças em profundidade permite aos veterinários formular diagnósticos precisos e aos tutores adotar medidas eficazes para evitar complicações graves, incluindo a falência orgânica. O manejo adequado, com ênfase no reconhecimento precoce dos sinais clínicos e na intervenção terapêutica imediata, reduz consideravelmente a mortalidade canina e mitiga riscos à saúde pública.
Valendo-se de dados epidemiológicos do Ministério da Saúde, protocolos clínicos do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), diretrizes do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e recomendações do Sindicato dos Médicos Veterinários do Rio de Janeiro (SBMT), este artigo aprofunda os aspectos clínicos, diagnósticos, terapêuticos e preventivos da doença do carrapato no Brasil.
Antes de aprofundarmos em cada doença transmitida pelo carrapato, é importante reconhecer o impacto sistêmico causado pela infecção, que pode variar desde sintomas inespecíficos até quadros críticos que demandam cuidado veterinário urgente. Este entendimento torna-se vital para o reconhecimento rápido da doença e implementação de protocolos que prevenham danos irreversíveis.
Ao focar na origem da doença, é necessário compreender o papel dos carrapatos como ectoparasitas hematófagos que atuam como vetores eficientes na transmissão de diversos agentes infecciosos. As espécies Rhipicephalus sanguineus e Amblyomma sculptum são as mais relevantes no cenário brasileiro, cada uma associada a diferentes enfermidades e adaptações ecológicas.
Rhipicephalus sanguineus, conhecido popularmente como carrapato-marrom-do-cão, é o principal transmissor de erliquiose canina, babesiose e anaplasmose. Possui habitat associado a residências e ambientes urbanos, com capacidade de infestação persistente em canis e áreas externas, favorecendo a reinfestação e o ciclo contínuo da doença. Já Amblyomma sculptum é o vetor da febre maculosa brasileira, doença sistêmica grave com potencial zoonótico, prevalente principalmente em áreas rurais e de mata ciliar.

A erliquiose é causada pela bactéria Ehrlichia canis, um membro da ordem Rickettsiales, que invade e multiplicam-se preferencialmente nos monócitos do hospedeiro, provocando intensa inflamação e resposta imune desregulada. A babesiose resulta da protozoose causada por espécies do gênero Babesia, que parasitam diretamente os eritrócitos, levando à hemólise e anemia. A anaplasmose, causada por Anaplasma platys, infecta especificamente as plaquetas, gerando quadro característico de trombocitopenia. Por fim, a febre maculosa brasileira, provocada por Rickettsia rickettsii, manifesta-se como uma rickettsiose grave em humanos e pode também afetar cães como hospedeiros sentinela.
O período de incubação varia conforme o agente, com médias de 7 a 14 dias para a erliquiose e babesiose, e mais curto para a febre maculosa. O ciclo de infestação inicia-se com o carrapato em busca de hospedeiro para alimentação sanguínea, momento em que os microrganismos são transmitidos através da saliva contaminada. Após o desenvolvimento dentro do hospedeiro, os agentes circulam pela corrente sanguínea, infectando células alvo e promovendo efeitos sistêmicos, que podem levar a múltiplas falhas orgânicas se não tratados adequadamente.
Este conhecimento é fundamental para planejar estratégias específicas de controle e identificar os períodos de maior risco, concentrando esforços na prevenção da infestação inicial.
Compreender as manifestações clínicas da doença do carrapato permite aos veterinários e tutores identificar sintomas críticos, antecipar o curso da doença e tomar decisões terapêuticas oportunas. É imprescindível diferenciar entre os quadros de erliquiose, babesiose, anaplasmose e febre maculosa, pois, apesar de algumas semelhanças, apresentam particularidades significativas que orientam o tratamento.
Cães infectados com erliquiose podem apresentar febre intermitente, apatia, anorexia, linfadenomegalia, e principalmente trombocitopenia severa, que se manifesta por petéquias, sangramentos nas mucosas e equimoses. Já a babesiose se caracteriza pela anemia hemolítica aguda, icterícia, febre e fraqueza, resultante da destruição direta dos eritrócitos. A anaplasmose tende a causar trombocitopenia leve a moderada, com febre, claudicação e sintomas neurológicos em quadros avançados. Na febre maculosa brasileira, os sinais podem ser mais inespecíficos, mas frequentemente incluem febre alta, lesões cutâneas tipo mácula, e em humanos, evolução para falência múltipla.
O diagnóstico laboratorial é indispensável para confirmar a doença do carrapato e evitar tratamentos empíricos incorretos. Hemograma completo frequentemente evidencia anemia normocítica normocrômica ou regenerativa na babesiose, e trombocitopenia nas outras hemoparasitoses. A técnica de PCR (reação em cadeia da polimerase) para detecção específica dos agentes, testes sorológicos como ELISA e IFI para anticorpos contra Ehrlichia canis e Anaplasma platys são rotineiramente utilizados. A microscopia do esfregaço sanguíneo ajuda na visualização dos parasitas em eritrócitos e monócitos em casos suspeitos de babesiose e erliquiose.
Diversas outras condições podem mimetizar os sintomas da doença do carrapato, como outras hemoparasitoses, doenças autoimunes e septicemias. A presença de trombocitopenia severa deve ser analisada criteriosamente para distinguir coagulopatias e púrpuras imunes. Sem diagnóstico correto, as complicações incluem insuficiência renal, hepatite, insuficiência cardíaca e choque, que aumentam dramaticamente a mortalidade.
O reconhecimento rápido dos padrões clínicos e laboratoriais é essencial para a instituição do tratamento eficaz no chamado “período crítico” de 24 a 48 horas após o aparecimento dos sinais clínicos.
O manejo terapêutico da doença do carrapato deve basear-se em protocolos validados, buscando a eliminação dos agentes causadores, proteção dos órgãos atingidos e prevenção de recaídas. O uso correto dos fármacos, aliado ao monitoramento clínico e laboratorial frequente, determina o sucesso do tratamento e a recuperação do animal.
A erliquiose responde bem ao tratamento com doxiciclina administrada por 28 dias, que age eficazmente contra bactérias da ordem Rickettsiales. Para a babesiose, o uso de antiprotozoários como o dipropionato de imidocarb é indicado, geralmente em dose única ou esquema de duas aplicações, complementado com terapia de suporte. A anaplasmose também é responsiva à doxiciclina, enquanto a febre maculosa brasileira nos casos caninos exige cuidados emergenciais e o uso precoce de antimicrobianos específicos para rickettsiose.
Casos avançados podem demandar transfusões sanguíneas para corrigir anemia severa, fluidoterapia para manutenção da função renal e suporte nutricional. É importante monitorar efeitos colaterais de medicamentos, como reações à imidocarb (salivação excessiva, vômitos) e hepatotoxicidade potencial da doxiciclina. Avaliações periódicas do hemograma e dos parâmetros bioquímicos orientam o sucesso do tratamento e a necessidade de ajustes.
Tutores devem entender que a discontinuíade do tratamento antes da completa erradicação do agente pode levar à cronicidade e resistência, além de reinfestações pela persistência do carrapato. Consultas regulares e exames complementares são pilares para assegurar a cura e prevenir danos irreversíveis. A orientação adequada do veterinário reduz o estresse do proprietário e evita decisões precipitadas que comprometem o prognóstico.
Garantir uma comunicação clara e empática sobre o tratamento fortalece o vínculo homem-animal e aumenta a chance de sucesso clínico.
A prevenção da doença do carrapato é a estratégia mais eficaz para proteger cães e humanos, reduzindo drasticamente os custos e sofrimento causados pelas doenças transmitidas por carrapatos. O controle ambiental, o uso correto de carrapaticidas e a educação dos tutores são componentes essenciais.
Carrapaticidas doença do carrapato músculo tópicos, sprays, coleiras impregnadas com imidacloprida e permetrina, entre outros, apresentam eficácia comprovada na eliminação dos carrapatos e redução do risco de transmissão em mais de 95%. A escolha do produto deve considerar o perfil do animal, segurança e frequência de aplicação. Rotinas rigorosas de limpeza e desinfecção de canis e áreas externas evitam o acúmulo de estágios do carrapato no ambiente, o que diminui a pressão parasitária.
Tutores precisam ser orientados a inspecionar regularmente seus animais em busca de carrapatos, removendo-os corretamente com pinças específicas para evitar o esmagamento e contaminação. O uso de antiparasitários regularmente, sempre sob supervisão veterinária, é crucial. Profissionais de saúde veterinária devem promover campanhas educativas que destaquem o risco zoonótico, especialmente da febre maculosa brasileira, garantindo integração com sistemas públicos de vigilância epidemiológica.
O aspecto zoonótico desta doença exige atenção redobrada, pois a disseminação da rickettsiose pelo carrapato afeta diretamente a saúde humana, com alta taxa de letalidade em casos não tratados rapidamente. O monitoramento constante, notificação obrigatória e colaboração intersetorial entre veterinária e saúde pública são fundamentais para mitigação do risco e resposta rápida à ocorrência de surtos.
Esses esforços coordenados reforçam a importância do conceito “One Health” ao integrar proteção animal, ambiental e humana em torno do controle do carrapato.

Reconhecer os sinais iniciais da doença do carrapato é fundamental para uma intervenção precoce que salve vidas caninas. Ao observar febre persistente, letargia, sangramentos e palidez, solicitar exames hemáticos específicos e testes sorológicos é crucial para confirmar o diagnóstico.
Ao identificar qualquer suspeita, a busca imediata de assistência veterinária especializada e a administração correta dos fármacos indicados, como doxiciclina e dipropionato de imidocarb, podem evitar complicações severas como falência renal e hepática.
Na perspectiva da prevenção, a aplicação rigorosa de carrapaticidas eficazes, associada à higienização frequente do ambiente do animal e inspeções corporais regulares, elimina 95% do risco de reinfestações e de transmissão das hemoparasitoses. É vital que os tutores mantenham acompanhamento clínico periódico e estejam atentos às recomendações veterinárias para evitar episódios recorrentes.
Considerando o potencial zoonótico, cuidados na manipulação dos carrapatos e adesão a campanhas de vigilância ajudam a prevenir quadros graves em humanos, principalmente no contexto da febre maculosa brasileira. Solicite sempre o diagnóstico laboratorial específico para diferenciar os agentes patogênicos e adapte o protocolo conforme os resultados laboratoriais.
Investir no conhecimento e na prevenção da doença do carrapato é investir na saúde integral do seu animal de estimação e na segurança da sua família.