A exame geriátrico veterinário em cães configura-se como uma ferramenta imprescindível para o diagnóstico laboratorial precoce, estadiamento e monitoramento de patologias que acometem pacientes idosos. A complexidade fisiopatológica do envelhecimento implica alterações bioquímicas, hematológicas e funcionais que podem mascarar ou preceder manifestações clínicas evidentes, destacando a importância da avaliação laboratorial integrada e sistematizada. Por seu caráter preventivo e prognóstico, o exame geriátrico direciona decisões clínicas fundamentadas na compreensão detalhada dos padrões normais e patológicos do envelhecimento canino.
Antes de debruçar-se sobre os exames específicos, é crucial entender as modificações fisiopatológicas intrínsecas ao envelhecimento canino, que impactam a interpretação laboratorial. O envelhecimento resulta em declínio progressivo da homeostase, associado à redução da capacidade regenerativa celular, senescência imunológica, alterações endócrinas e acúmulo de radicais livres oxidativos. Esses processos promovem disfunções orgânicas subclínicas, tais como insuficiência renal crônica inicial, fibras miocárdicas atróficas e alterações hepáticas fibrosantes, que refletem em parâmetros bioquímicos e hematológicos modificados, mas ainda não indicativos de doença avançada.
Nas análises hematológicas, é comum verificar a presença de anemia normocítica normocrômica leve associada à diminuição da produção medular de eritrócitos, bem como modificação na resposta imune celular devido à imunosenescência. Valores de referência para cães adultos maduros (7-10 anos) mantêm-se próximos aos cães jovens, enquanto cães geriátricos (>10 anos) evidenciam tendência à leucopenia discreta, especialmente linfopenia, refletindo a diminuição da função do sistema imune adaptativo. A interpretação desses achados deve ponderar a possibilidade de doenças crônicas subjacentes que potencializam o quadro.
Os exames bioquímicos revelam que a creatinina sérica pode ser levemente aumentada em idosos devido à perda de massa muscular, mas o parâmetro isolado não é sensível para o diagnóstico precoce de nefropatia. A dosagem da ureia apresenta maior variabilidade clínico-patológica, podendo refletir desde diminuição do fluxo renal até alterações dietéticas. A função hepática sofre impacto pela diminuição da atividade enzimática e fluxo sanguíneo, resultando em valores basalmente alterados de ALT e AST. Além disso, a redução da capacidade antioxidante hepatocitária e alterações no metabolismo lipídico e proteico contribuem para o perfil bioquímico característico do cão geriátrico.
Adentrando a rotina diagnóstica, o exame geriátrico inclui um conjunto integrado de avaliações laboratoriais, que fornecem subsídios objetivamente interpretáveis para diferenciar alterações senis adaptativas de patologias clínicas emergentes. A seleção dos exames deve ser sistematizada para garantir sensibilidade e especificidade nos achados.
O hemograma é fundamental para detectar alterações na eritropoiese, leucocitose, leucopenia, e distúrbios plaquetários. A anemia é um achado recorrente em idosos, porém deve-se investigar sua etiologia, que pode envolver doenças renais crônicas, neoplasias, ou processos inflamatórios crônicos. Parâmetros como VCM, HCM e CHCM auxiliam na classificação da anemia, diferenciando causas regenerativas de não regenerativas. A plaquetopenia leve pode ocorrer em senescência, mas a redução significativa deve despertar alerta para patologias como trombocitopenia imunomediada. Avaliação do diferencial leucocitário permite identificar respostas inflamatórias subclínicas ou perfil imunossupresso.
Inclui marcadores de função renal (ureia, creatinina, SDMA), hepática (ALT, AST, FA, GGT, bilirrubinas), eletrolítica (Na+, K+, Cl-, Ca2+, P), e metabólica (glicose, albumina, proteínas totais). A inclusão da SDMA (dimetilarginina simétrica) representa avanço no diagnóstico precoce de disfunção renal, com maior sensibilidade que a creatinina isolada, importante para monitorar nefropatias frequentemente incipientes em cães idosos. A diminuição da albumina sérica pode indicar estado inflamatório crônico, insuficiência hepática, ou desnutrição, afetando a manutenção da pressão oncótica vascular e, portanto, o estado hemodinâmico. Os eletrólitos são imprescindíveis para avaliação do equilíbrio ácido-base e função eletrofisiológica, especialmente diante de doenças endócrinas comuns na geriatria canina, como o hipoadrenocorticismo.
O exame do sedimento urinário complementa a avaliação renal, detectando proteinúria, hematúria e cilindros, importantes para identificar glomerulopatias e tubulopatias. A medida da proteinúria via relação proteína/creatinina urinária (UPC) alia-se à avaliação da concentração urinária para detectar disfunção renal precoce. Outros marcadores como o cortisol urinário e estudos hormonais são recomendados em casos suspeitos de disfunção endócrina, comuns em cães idosos, por exemplo, doença de Cushing ou hipotireoidismo.
A integração dos dados laboratoriais do exame geriátrico exige análise crítica baseada na fisiopatologia do envelhecimento. Resultados que marginalmente extrapolam limites de referência, isoladamente, podem não ser patológicos, mas a ocorrência de múltiplas alterações associadas sugere processo clínico subjacente. O principal desafio do patologista clínico é distinguir o envelhecimento fisiológico das primeiras manifestações de doenças crônicas cardiovasculares, renais, hepáticas e neoplásicas, com impacto direto na conduta veterinária.
Parâmetros laboratoriais alterados, mesmo discretamente, podem preceder sinais clínicos evidentes, proporcionando janela para intervenções terapêuticas precoces que retardem a progressão dos quadros clínicos. Por exemplo, o elevação inicial da SDMA e proteinúria leve indicam nefropatia incipiente, permitindo ajustes na terapêutica e manejo. Do mesmo modo, alterações hepáticas incipientes podem ser monitoradas por enzimas e bilirrubinas, facilitando detecção precoce de doenças como colangite crônica ou neoplasias hepáticas.
Os exames laboratoriais também identificam disfunções endócrinas frequentemente subdiagnosticadas em geriatria, sobretudo hipotireoidismo e hiperadrenocorticismo, que impactam a qualidade de vida e sobrevivência. A avaliação da glicose sérica é fundamental para o diagnóstico precoce de diabetes mellitus, doença comum na população geriátrica canina, com implicações importantes no manejo nutricional e medicamentoso.
O exame geriátrico veterinário em cães compõe-se de um painel laboratorial que abrange hemograma completo, perfil bioquímico, exames urinários e marcadores específicos, constituindo-se em ferramenta indispensável para o diagnóstico precoce, estadiamento e monitoramento de patologias relacionadas ao envelhecimento. A interpretação deve sempre ser contextualizada à fisiopatologia da senescência, reconhecendo o limiar entre alterações adaptativas e doença clínica. Valores de referência específicos para idade são essenciais, assim como a avaliação serial para detecção de tendências e progressões patológicas. A incorporação de marcadores avançados como a SDMA aumenta a sensibilidade diagnóstico, sobretudo para disfunção renal precocemente manifestada.
Considerações clínicas práticas incluem a recomendação de realização periódica do exame geriátrico, mesmo na ausência de sintomatologia, privilegiando intervenções preventivas e ajustes terapêuticos personalizados. Deve-se enfatizar o monitoramento combinado laboratorial e clínico, incluindo avaliação da função cognitiva, mobilidade e qualidade de vida do paciente idoso. A abordagem multidisciplinar integrada ao exame geriátrico maximiza o cuidado e prognóstico nos pacientes https://www.goldlabvet.com/exames-veterinarios/geriatrico-g2/ geriátricos, promovendo longevidade saudável e minimização do impacto das doenças crônicas.